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Discussão\Desabafo sobre "gêneros criativos"
#1
Desculpe o "criativos" usado no título mas é que o que eu quero falar sobre aqui não são exatamente gêneros não-binários e eu não vi um nome específico para "gêneros que não são binários nem não-binários" [alguém me recomenda uma correção?]

Vamos lá. Eu gostaria de compartilhar um preconceito que eu tenho pra talvez conseguir evoluir nisso de alguma forma lendo a opinião de outras pessoas.

Antes de compartilhar o preconceito que eu tenho em si, eu gostaria de explicar um fato antes; apesar de ser um menino trans, sempre que eu paro para pensar no assunto de gêneros, eu chego a conclusão de que agênero é o único "gênero" que realmente me faz sentido.

Padrões estúpidos atribuídos aos humanos pela genital são algo que eu não consigo entender. Parecia normal até anos atrás porque nunca parei pra pensar no assunto; "é assim e pronto", homem usa roupa x e mulher y, homem fala de modo x e mulher y. Essas eram as regras da sociedade, era assim que devia funcionar, porque em algum momento da história foi decidido isso e ficou. Mas "coisas decididas pela sociedade" mudam o tempo todo, simplesmente porque não são algo ligado ao nosso físico. Racismo, homofobia, machismo; são todos conjuntos de comportamentos, pensamentos, sensações e afins. Não existe um motivo físico para brancos acreditarem que negros são menos capazes ou inteligentes. Não existe motivo biológico para que um homem mate outro por ele ser gay [por sinal, na teoria isso deveria ser ótimo, um a menos na "competição", não?]. Da mesma forma, não existe um motivo para que "humano com genital de tal formato deve usar o tecido cortado de tal maneira no corpo". Existem lá roupas mais ou menos confortáveis por questão de seios ou membro, mas isso é o mais longe que essa regra deveria chegar. Comportamento, mesma coisa. Enfim; essa coisa de "homem" e "mulher" em qualquer uso que não seja médico ao meu ver é completamente sem sentido, e por isso "agênero" é de longe o que eu acho mais humano, mais "verdadeiro". É a criatura exatamente como ela é; um humano, simplesmente, com a [talvez] capacidade de dar a luz ou não. Isso se nada intervir, já que muitos acabam incapazes de ter filhos [ou não os tem por opção].

Okay... Depois desse desabafo, talvez se questionem porque eu sou trans\male então se eu não vejo sentido nisso. Eu me sinto confortável assumindo esse "role" que a sociedade criou; são roupas que eu gosto, comportamentos que eu gosto, e tratamento também. Ao mesmo tempo, meu desconforto não é apenas social, eu pretendo fazer cirurgia se um dia conseguir, pois definitivamente não me sinto bem com meu corpo atual, e cá entre nós acho uma pena que não seja algo que a pessoa possa decidir por si mesma com o tempo. :p
Ao mesmo tempo, eu não iria me incomodar nem uma gota se da noite pro dia decidissem que gêneros não existem mais e agora só existem definições físicas pra motivos médicos. [Mas eu ainda ia querer fazer cirurgia, pois os males do atual me incomodam infinitos.]

Com toda a "introdução", agora eu vou ao ponto do tópico de fato. Eu sou um bocado intolerante com gêneros que me soam sem sentido. Não sou intolerante do tipo que destrata alguém ou corta contato com a pessoa, meus pais me deram educação e respeito e eu aprendi muito bem, se fosse um amigo eu não sentiria nada de diferente e simplesmente usaria o termo que me fosse pedido. Mas, mesmo assim, eu não consigo ver a situação de modo positivo, digamos. A pessoa dizer que tem gênero que muda "de acordo com o clima" ou "dependendo da música que escuta" por exemplo me faz franzir a testa. É muito possível que essa minha visão fixa de que gêneros num geral são uma ideia antiquada e desnecessária me faça sentir que essas pessoas estão "piorando a situação" ao "criar mais gêneros ainda" ao invés de só se sentirem elas mesmas e pronto.
Pior; se eu tento entender as explicações das pessoas eu acho mas absurdo ainda. Usando o da música de exemplo; "ah eu me sinto mais masculino se estou ouvindo um rock pesado e mais feminina se escuto uma música doce". Pra mim isso não faz sentido nenhum. O que raios é "se sentir masculino"? "Homem" nem sequer é uma coisa, é simplesmente um conjunto de comportamentos e regras, como uma pessoa se sente "um conjunto de comportamentos e regras"?
Aí se a pessoa tenta explicar mais e fala coisas do tipo "Ah se eu ouço rock pesado eu me sinto mais voraz, mais forte, mais intenso, tenho vontade de bater em coisas, sabe como é"... A situação fica ainda pior. Emoções genéricas não são exclusivas de nenhum humano. Tanto "homem" como "mulher" podem se sentir "fortes com vontade de bater em coisas", isso não muda o tal "gênero" que elas assumem pra si. Isso é apenas um exemplo, claro, mas dá pra passar o dia todo coletando outros exemplos que eu vi por aí ligados a outros tipos de gênero que não me fazem sentido algum [mais do que o normal].

Enfim... Como dito, eu consigo simplesmente respeitar o gênero que a pessoa atribuir a si, e a respeitar como pessoa, mas não consigo ver sentido e nem tirar esse sentimento ruim de desaprovação quando leio sobre ou afins. Eu não chego a sentir raiva nem nada próximo a isso; talvez seja mais o contrário, sinto tristeza, porque acho que um caminho rumando a um mundo livre de gêneros por completo seria o ideal e o mais seguro pra que cada um possa simplesmente existir como é sem ter que se preocupar com padrões sem sentido nem preconceitos, e enquanto isso a lista de gêneros só faz aumentar de tempo em tempo.
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#2
Acho que gênero é algo pessoal; obviamente a sociedade possui grande influência no que é visto como masculino/feminino/nenhum dos dois, mas só cada pessoa consegue dizer o que seu gênero significa para si.

Existem mulheres que gostam de usar cabelo super curto, fazer musculação, e usar roupas largas. Existem homens que gostam de usar saias e maquiagem. Existem demimulheres que se consideram "quase mulheres, só que não totalmente" e usam uma aparência mais feminina e pronome ela, e existem demimulheres que admitem que seu gênero bate com a descrição, mas que tentam se distanciar de uma apresentação feminina e de serem associadas com gêneros binários o máximo que podem.

O que eu acho que acontece é: ser mulher, para certas pessoas, pode significar "gostar de coisas consideradas femininas", e, para outras, pode significar "se sentir irmã de outras mulheres e lutar pelos direitos das mulheres". Essas duas pessoas podem se considerar mulheres com base nisso, independentemente de outras características. A sociedade valoriza muito mais a primeira definição do que a segunda, e a maioria das pessoas provavelmente vai descrever uma mulher nesses termos, se não descrever em relação a um corpo de uma mulher perisexo e cis que não sofreu nenhum tipo de malformação, doença, ou acidente.

A minha medida para perceber os gêneros diferentes em mim é:

- o quanto estou confortável com roupas femininas demais, "andrógenas" demais ou masculinas demais;
- o quanto eu sinto que meu gênero é diferente das pessoas que estão à minha volta;
- o quanto eu sem querer me chamo de homem/mulher/ele/ela/etc. na minha mente;
- disforia (eu tenho surpresa ao perceber que minha genitália é o que é?);
- eu olho no espelho e penso em como estou me vendo naquele dia (obviamente eu sei que a maioria vai me ver como mulher, não importa como eu esteja).

Eu não considero que nenhum dos meus gêneros seja exatamente homem ou mulher, mas às vezes me sinto mais próxime de um destes gêneros ou de outro.

E eu não considero qualquer uma destas coisas uma experiência universal: se um homem trans só consegue se ver no espelho como mulher, se uma pessoa agênero se sente confortável com roupas extremamente femininas, se uma pessoa gênero-fluido cujos gêneros incluem gêneros binários ou próximos destes sempre se chama com o mesmo pronome na cabeça, ou se uma mulher trans não se sente estranha ou desconfortável com a genitália que nasceu, eu ainda acho que suas experiências são 100% válidas.

É muito complicado descrever gênero como algo além do "é o que eu sinto que está certo" sem cair em estereótipos de corpo/comportamento/roupas/etc., então realmente, não tem como ter provas de que alguém realmente muda seu gênero ouvindo músicas diferentes ou junto com as estações do ano, ou que aquilo não são só emoções. Mas, como eu já falei uma vez no Instagram, a maior prova de que uma pessoa é de uma identidade pouco aceita é que ela insiste nela independentemente do quanto as pessoas em volta acham absurdo. *shrug*

(Não que pessoas que acabem desistindo não sejam válidas também, mas é que aí não tem como saber se a pessoa realmente pensou melhor, ou se só está se reprimindo para ser mais aceita.)

Sobre o termo: Esses gêneros que você citou são subtipos de gênero-fluido, mas talvez também possam ser citados como xenogêneros. Xenogêneros são gêneros que só podem ser descritos com conceitos normalmente não associados a gêneros.

Eu não vejo tanto sentido em descrever estes gêneros que você falou, ou fisgênero (minha identidade) como xenogêneros, porque... sei lá, pra mim coisas como o gênero mudando de acordo com a situação fazem tanto sentido quanto o gênero mudando com flutuações hormonais, enquanto gêneros como "o gênero de uma estrela", "um gênero frágil" ou "um gênero que brilha" são bem mais difíceis de entender, imho. Mas acho que são considerados xenogêneros também sim.

EDIT: Também acho importante dizer que essa retórica de "a pessoa só tem que ser o que ela é e pronto" é bem... nociva, na falta de uma palavra mais gentil. Se eu simplesmente "for o que sou" e ~não ligar para rótulos~, as pessoas vão insistir em utilizar pronomes e outras formas de linguagem que me fazem sentir extremamente mal, sem ter ninguém que vai sequer pensar em tentar me chamar por uma forma neutra se eu não insistir nos tais "rótulos limitadores". Vou ter pessoas insistindo em me categorizar como algo que não sou, porque vou estar abdicando do vocabulário para descrever o que sou, e, para a sociedade, o "neutro", o "ser o que você é", não é evitar se referir a alguém com termos que denotam gênero, é tratar a pessoa como uma pessoa cis.

(Sry se sua intenção não foi bem essa, mas já tive pessoas demais usando esse argumento contra mim pra deixar passar.)
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#3
Adorei sua resposta Tath! Admito que ainda mantenho o sentimento de "isso não faz sentido nenhum", mas sua frase de "Uma das coisas que prova que é real é quanto a pessoa insiste" realmente faz sentido e me fez sentir maior simpatia pela situação. Dificilmente alguém fica lutando por algo que não a dá benefício nenhum. E honestamente, fico triste de imaginar que tem pessoas que desistem de quem elas realmente são apenas pra se sentir "melhores aceitas"; eu sou +- esse caso, mas pra mim pelo menos isso não importa tanto, o tratamento masculino é okay e acho que eu não tenho pique pra aturar o estresse extra que seria me apresentar como agênero. A quase-fobia que eu tenho de associação ao gênero feminino também me faz me manter afastado; cada vez que erram em qualquer lugar meu estômago até revira um pouco.

Btw


Citação:Também acho importante dizer que essa retórica de “a pessoa só tem que ser o que ela é e pronto” é bem… nociva, na falta de uma palavra mais gentil. Se eu simplesmente “for o que sou” e ~não ligar para rótulos~, as pessoas vão insistir em utilizar pronomes e outras formas de linguagem que me fazem sentir extremamente mal, sem ter ninguém que vai sequer pensar em tentar me chamar por uma forma neutra se eu não insistir nos tais “rótulos limitadores”. Vou ter pessoas insistindo em me categorizar como algo que não sou, porque vou estar abdicando do vocabulário para descrever o que sou, e, para a sociedade, o “neutro”, o “ser o que você é”, não é evitar se referir a alguém com termos que denotam gênero, é tratar a pessoa como uma pessoa cis.

(Sry se sua intenção não foi bem essa, mas já tive pessoas demais usando esse argumento contra mim pra deixar passar.)



De forma alguma. Quando eu digo que as pessoas podiam "apenas ser o que são e pronto" eu quero dizer que acredito que um mundo absolutamente livre de designações de gênero seria o ideal. Todo mundo se tratar por neutro; todos serem apenas humanos, nada mais. A partir daí, quem sabe, as pessoas se "julgariam" por coisas que valem mais a pena [imo], como personalidade, gostos, educação... E parassem de se diminuir ou pré-julgar simplesmente porque "essa outra pessoa tem X genitália", que é o que normalmente as pessoas usam de base pra associar um gênero a alguém, especialmente as totalmente ignorantes sobre o "universo transgênero".

[Por sinal, não exatamente sobre o tópico, mas eu ainda pretendo fazer meu canal de Let's play no youtube, e eu farei questão de usar linguagem neutra sempre que for possível. Não adianta eu desejar um mundo em que o neutro seja uma opção se eu não investir em momento algum. x)]
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#4
(y)

Apenas quero comentar duas coisas:

Citação:E honestamente, fico triste de imaginar que tem pessoas que desistem de quem elas realmente são apenas pra se sentir “melhores aceitas”; eu sou +- esse caso, mas pra mim pelo menos isso não importa tanto, o tratamento masculino é okay e acho que eu não tenho pique pra aturar o estresse extra que seria me apresentar como agênero.

Eu acredito que seja muito comum para pessoas não-binárias tentarem algo mais "fácil de engolir" para a sociedade cisnormativa, mesmo que sejam em questões mínimas. Tipo, uma pessoa que sabe que tem um gênero mais específico, como maverique, pode tentar se apresentar como NB ou genderqueer. Mas também existem pessoas NB que preferem viver como cis ou como pessoas trans binárias mesmo justamente pelo mesmo caso que o seu, de preferir uma apresentação/tratamento similar a de certo gênero binário e ficar nele.

Mas, se pensar bem, até pessoas trans binárias acabam escondendo certas coisas, ou tentando forçar um estereótipo para terem seus gêneros validados. Tipo uma mulher trans inventando que sempre brincou de bonecas e teve interesses femininos para poder fazer cirurgia, ou um homem trans deixando de usar roupas que gosta por serem femininas demais.

É assustador que, se você parar para pensar, a supressão é sempre algo gradual. Você é gênero-estrela e usa o pronome ile? Por que não usa uma identidade mais fácil e uma linguagem mais fácil? Você só se diz não-binárie e aceita qualquer pronome? Tem certeza que você não é só uma pessoa que não liga para normas de gênero? Você é uma menina que não liga para normas de gênero? Por que não tenta ser mais feminina, e deixar essa fase rebelde de lado?

Citação:E parassem de se diminuir ou pré-julgar simplesmente porque “essa outra pessoa tem X genitália”, que é o que normalmente as pessoas usam de base pra associar um gênero a alguém, especialmente as totalmente ignorantes sobre o “universo transgênero”.

Enquanto bebês realmente são atribuídos algum gênero com relação à sua genitália, o engraçado é que a maioria das pessoas não sabe da genitália das outras! Muitas pessoas trans passam como cis sem fazer cirurgia de redesignação de sexo justamente por isso.

A genitália é apontada como o que faz o gênero de alguém, mas... então, por que rosa e azul são cores associadas a gêneros? Ou comportamentos? Ou vozes? Se a pessoa nasce com o gênero e pronto, por que pessoas intersexo passam por cirurgias para parecerem perisexo? Por que humanos são incentivados a utilizar sinais de que são de certo gênero, para que seja mais fácil identificar alguém de tal gênero, como depilação, maquiagem, cortes de cabelo, e roupas diferentes?

Se você adicionar isso ao fato de que outras culturas tinham outras visões em relação a gênero, fica relativamente fácil entender que a visão sexista e cissexista de gênero é forçada.
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