Estou para escrever um texto sobre essa questão de umas redefinições esquisitas dessas orientações ficarem sendo espalhadas em certos nichos virtuais. Achei bacana trazer para discussão para poder colher outras perspectivas e informações.
Até o momento, tenho como definições de que gay é atração pelo mesmo gênero e similares, podendo ser algo acessado por pessoas de basicamente quaisquer identidades de gênero, e que lésbique é algo mais "restrito" a mulheres ou pessoas alinhadas que sentem atração pelo mesmo gênero e similares. Até então, acho que funcionam bem dessa forma. Compreendo por que a identidade lésbica ficou mais focada num público alinhado com mulheridade/feminilidade. E gay, mesmo sendo mais amplo, costuma ser mais associado e usado por homens.
Eu já fui defensore de que essas orientações deveriam ser reforçadas como mono, e que deveriam ser atração "exclusiva" por tal gênero. Atualmente, não penso mais assim, e a definição mais aberta não exclui pessoas com atração exclusiva por um gênero. Sendo assim, acredito que uma definição mais aberta seja o ideal.
Agora, o que esteve aparecendo por aí de maneira fragmentada e mal elaborada são coisas como:
A) "Gays são homens ou pessoas alinhadas à masculinidade atraídas só pelo mesmo grupo" / "Lésbicas são mulheres ou pessoas alinhadas à feminilidade atraídas só pelo mesmo grupo".
B) "Gays são pessoas alinhadas ao masculino, neutro ou sem alinhamento atraídas por tudo menos alinhamento feminino" / "Lésbicas são pessoas alinhadas ao feminino, neutro ou sem alinhamento atraídas por tudo menos alinhamento masculino".
C) "Gays são não-mulheres que se atraem por não-mulheres" / "Lésbicas são não-homens que se atraem por não-homens".
Eu até entendo de onde vêm as definições do item A. Agora, essas de B e C são tão... zoadas. Assim, zoadas num sentido de que são mais complicadas do que deveriam, dizem muito e não dizem nada, e são tão amplas que não consigo entender como muita gente ainda acha que elas existem num campo estrito, purista da monoatratividade (tipo, pra mim, B e C são definições mais multi que mono).
Não estou muito afim de escrever um textão sobre tudo que tem de problemático nessas coisas, mas estou ciente que B e C partem de premissas exorsexistas de entendimento de gênero (como separar todo mundo em três alinhamentos - masc/fem/neu ou nada - é até bondade quando consideram ausência de alinhamento). E C tem uma questão específica de puritanismo onde qualquer mínima coisa associada a mulheridade/feminilidade e hombridade/masculinidade não deve em hipótese alguma se misturar com, respectivamente, pessoas gays e pessoas lésbicas.
Dito tudo isso, queria outras perspectivas críticas sobre tudo isso, possivelmente outros exemplos de redefinições que caem em problemáticas, e talvez argumentações sobre qual definição é "melhor" e como abordá-la para diversos públicos. Enfim, um tópico aberto para falarem o que quiserem dentro desse assunto.
O L T I E L
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• Aster, Christian_N
05-12-2023, 02:39 PM
(Esta mensagem foi modificada pela última vez em: 05-12-2023, 02:39 PM por Aster.)
Não posso falar de uma perspectiva gay/lésbica, mas posso falar da perspectiva de alguém que muitas vezes faz material que acaba tendo que definir esses termos.
Acho que todas essas definições possuem o objetivo de serem inclusivas de lésbiques não-bináries, mas de forma que também tentam dar uma definição mais objetiva/restritiva do que "é uma pessoa que se encaixa ou que se vê se encaixando em comunidades/espaços que usam o termo". Porque existem casos como, por exemplo:
- Uma pessoa bigênero homem/mulher foi designada mulher ao nascer, e por isso passou parte de sua vida em espaços de mulheres que gostam de mulheres. Ainda que seja parcialmente homem, frequentar espaços lésbicos - onde inclusive há outras pessoas com expressões de gênero não-femininas e identidades de gênero não-binárias - ainda faz mais sentido do que ter que lidar com a ausência de comunidades diamóricas e com a ignorância acerca de termos como feminamórique ou trízique.
- Uma pessoa transmasculina não sabe se definir acerca de sua identidade de gênero. Não sabe dizer se é realmente só homem ou se gênero não faz sentido para si mas, como tem uma expressão de gênero masculina, prefere que lhe designem a categoria homem ao invés de categorias como mulher ou andrógine. Por ter atração por homens e não se importar com a simplificação de suas experiências de gênero como "homem", a pessoa se diz gay.
Como encaixar essas pessoas em definições de lésbique e gay? Podem até ser pessoas que não se importem com descrições como "atração de mulheres por mulheres" e "atração de homens por homens", mas há uma parcela da população que vai tentar invalidar ou a não-binaridade dessas pessoas ou seus "direitos" de usar os termos que usam se definições restritas forem as únicas que existirem.
Definições que incluem de forma vaga pessoas não-binárias funcionam pros dois casos que citei, mas e então como se lida com pessoas não-binárias que não querem de jeito nenhum serem encaixadas em termos com conotações binárias?
E, eu não incluí isso nos exemplos que citei, mas como ficam também as pessoas (binárias ou não) que não sentem atração por um gênero binário, mas que se atraem por pessoas não-binárias?
Daí existem dois problemas:
Um é o determinismo identitário. Muitas pessoas acham que isso é um problema relacionado com quem "apoia termos demais", mas, proporcionalmente, é justamente quem apoia poucos termos que tem esse problema de querer impor quais termos servem pra quais pessoas. São as pessoas que precisam que os termos gay, lésbique, hétero e bi sirvam para todas as pessoas, porque acham que se não servirem, elas (ou pessoas próximas) que vão ser rotuladas com termos "estranhos" que não querem que existam.
O outro é o exorsexismo. Tanto por parte de pessoas não-binárias que não querem largar termos como hétero/gay/lésbique e que são capazes de fazer contorcionismos bastante cissexistas pra continuarem usando os termos que querem quanto por parte de pessoas que se atraem por pessoas não-binárias mas que não querem mudar de termo por conta disso, tanto por acharem que vão perder sua comunidade quanto porque não quererem usar "termos que ninguém conhece".
E esses problemas podem ser entrelaçados também. Uma pessoa transfeminina pode namorar uma pessoa agênero mas querer muito manter uma identidade gay (no sentido HAH), então ao invés de desapegar de se chamar de gay ou de reconhecer que em seu caso o termo tem mais a ver com a história de ter se encontrado nessa comunidade do que com a definição do termo, a pessoa tenta redefinir o termo de forma que a inclui e tenta impor isso em outras pessoas que consideram essa ação uma agressão transmísica.
Então, é, eu recomendo usar definições que incluem pessoas não-binárias, mas de uma forma que seja vaga o suficiente pra não dizer nem que todas as pessoas não-binárias são inclusas e nem que nenhuma pessoa não-binária pode ser inclusa. Porque não dá pra ignorar que há um grupo grande de pessoas não-binárias que se veem nesses termos, e nem a questão dos termos não terem conotações completamente inclusivas de todas as formas de não-binaridade.
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• Uriel, nonny
Também gostaria de adicionar que há pessoas trans que se identificam como homens binários e que se identificam com a identidade lésbica, e há pessoas trans que se identificam como mulheres binárias e que se identificam com a identidade gay. Pode ser por causa de ainda terem uma grande conexão com os termos, porque sentem que mesmo que suas identificações sejam "contraditórias", eles aindam encaixam em suas vivências.
Sinceramente, eu não sei qual seria a melhor forma de definir esses termos, porque eu acho que toda vez que as pessoas tentam definir um conceito restrito, vivências são excluídas. Eu pessoalmente definiria pessoas gays e lésbicas como quaisquer pessoas que se sentem confortáveis com os termos, sem definir gênero ou alinhamento, ou constatar quantos gêneros essas pessoas deveriam sentir atração por. Mas eu não sei o quanto isso é útil ou informativo.
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• Aster, nonny
06-12-2023, 07:42 PM
(Esta mensagem foi modificada pela última vez em: 06-12-2023, 07:43 PM por mistério. Edited 1 time in total.)
(05-12-2023, 12:33 PM)Oltiel escreveu: Até o momento, tenho como definições de que gay é atração pelo mesmo gênero e similares, podendo ser algo acessado por pessoas de basicamente quaisquer identidades de gênero, e que lésbique é algo mais "restrito" a mulheres ou pessoas alinhadas que sentem atração pelo mesmo gênero e similares. Até então, acho que funcionam bem dessa forma. Compreendo por que a identidade lésbica ficou mais focada num público alinhado com mulheridade/feminilidade. E gay, mesmo sendo mais amplo, costuma ser mais associado e usado por homens.
recomendo separar o contexto anglófono (onde tem mulheres e pessoas não-binárias gays) do brasileiro (onde gay é só "homem homossexual/homorromântico"). até tem um pessoal não-homem mais jovem que usa gay como um termo mais amplo, mas acho que nem é como identidade pessoal.
também não sei se gente enebeana br fala que é gay. mas só vejo ou gente nb que sente atração por um dos gêneros binários ou que é pan, então sei lá
 isso vem das minhas próprias experiências, mas deve ter alguma pesquisa sobre o uso do termo gay no brasil...
let’s just drive into the sunset *
Eu acho meio complicado definir gay como "atração pelo mesmo gênero" quando, na realidade, a comunidade gay atual, especialmente no contexto lusófono, foi construída em torno da atração queer por homens. Ês mulheres bináries que vejo se autoafirmando gay utilizam a palavra mais como uma gíria ou um termo geral do que como uma identidade própria. Não estou afirmando que não existam mulheres que se identifiquem assim, mas esses casos parecem mais exceções do que experiências que realmente integrem a mesma comunidade de aquilianes e dóriques.
Falando como ume gay, particularmente me sinto mal quando definem a identidade como "atração pelo mesmo gênero", porque sinto que um espaço que era para ser meu está sendo perdido... E isso resulta no seguinte: quando vou pesquisar sobre assuntos gays, começo a encontrar coisas descoladas da vivência da maioria da comunidade gay. Ter que incluir MLM para substituir a antiga palavra que nos representava é uma experiência bem desconfortável, mas acaba se tornando "necessário", porque a antiga denominação da nossa atração foi ressignificada de forma generalizada.
Mulheres bináries podem se rotular como gay, e isso deve ser apoiado como uma reinterpretação e adoção individual. No entanto, não acho que a definição no sentido coletivo deva necessariamente abarcá-las, pois não faz sentido distorcer o senso de comunidade e sua definição para esse propósito quando a demanda por isso nem aparenta existir realmente.
(06-12-2023, 05:57 AM)Theo escreveu: Sinceramente, eu não sei qual seria a melhor forma de definir esses termos, porque eu acho que toda vez que as pessoas tentam definir um conceito restrito, vivências são excluídas. Eu pessoalmente definiria pessoas gays e lésbicas como quaisquer pessoas que se sentem confortáveis com os termos, sem definir gênero ou alinhamento, ou constatar quantos gêneros essas pessoas deveriam sentir atração por. Mas eu não sei o quanto isso é útil ou informativo.
Concordo bastante com isso aqui, a maioria das pessoas pensa em gay e lésbica como identidades exclusivas e binárias mas essa expectativa não corresponde com a realidade, que sempre vai ser muito mais ampla.
Não sei como lidaria com isso se tivesse que explicar, nem veria problema em dizer que gay é atração entre homens e lésbica é atração entre mulheres desde que exista a ressalva de que pessoas não-binárias e até mesmo algumas pessoas que são mulheres/homens trans podem ter relacionamentos complexos e paradoxais com conceitos de gênero e assim adotar essas palavras mesmo que em outros contextos elas não queiram ser tratadas como homens por ser gays ou mulheres por ser lésbicas.
Espero que tenha dado pra entender meu ponto, minha intenção não é invalidar ninguém
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